Judô e Polícia no Japão: Kokoro (coração) e Gaman (paciência)
O sentimento japonês de comunidade e
unidade, bem como um comportamento bem organizado, puderam ser observados
especialmente após o grande terremoto e tsunami de Tohoku, em março de 2011,
durante minha estadia na terra do sol nascente. Neste momento de dificuldades,
os japoneses mostraram ao mundo seu "coração" (Kokoro, em japonês ) e "paciência" (Gaman). Kokoro é mais do
que coração, significa que as pessoas estão cientes umas das outras: elas
ficavam em filas para obter suprimentos, elas compartilham seus cobertores
dentro dos abrigos naquele rigoroso fim de inverno no hemisfério norte... Assim
como nas práticas de judô, há um espírito ou, melhor, um “estado de
espírito” que faz parte da percepção de cidadania no Japão. E Gaman (paciência) expressa a resistência
e a tolerância para lidar com os tempos difíceis. Nem sempre nas práticas de tatame
eu me sentia à vontade para continuar, mas aprendi com meus Senseis (professores) a desenvolver
melhor meu senso de Gaman, explorando
a resistência do corpo ao longo dos exercícios e a resiliência da mente para
seguir até o final das práticas. Além
disso, o sistema educacional desempenha um papel crucial, porque desde a
infância as crianças são educadas nas escolas para agir adequadamente em caso
de terremotos, sendo que muitas delas praticam desde cedo diversas artes
marciais orientais. Mas há algo mais, que vai além. O kokoro da população japonesa é treinado ainda sob as ideias de
harmonia (Wa) e família (Ie). Tem a ver com um senso de conformidade
com a harmonia social, para permitir espaço para os outros enquanto o próprio
espaço está sendo disputado. Coração e paciência, neste caso, expressam a força
e o sentido de organização do Japão.
Meus estudos focaram na forma de
atuação da polícia japonesa, sendo interessante observar que o judô – bem como
outras artes marciais – fazem parte do treinamento dos policiais. Todos os oficiais
passam por um treinamento de técnicas e defesas baseado nas artes marciais
japonesas. Pude visitar a delegacia da cidade de Tama, na província de
Kanagawa, onde a prática de artes marciais é diária, e indiquei esse local para
a reportagem feita por minha amiga Catarina Hong para a Rede Record naquele ano.
Compartilho aqui com vocês o vídeo.
A receita oriental para combater a
violência parece estar pautada na aproximação dos policias com a população, por
meio da chamada polícia comunitária, organizada em Kobans – que são postos policiais espalhados pelo país – existentes
há mais de 130 anos. Vale ressaltar que o trabalho policial é complexo e
estressante, em qualquer lugar do mundo, e no Japão qualquer vestígio de raiva
ou stress é canalizado nas práticas de tatame, onde os policiais treinam
diariamente com seus quimonos. Nas ruas, o aprendizado do judô, bem como de
outras artes marciais, ajuda os policias japoneses a ajudar a população,
desenvolvendo melhor sua atenção para as pessoas – o tal do Kokoro – e sua resiliência para lidar
com as diversas situações desafiadoras do cotidiano – ou o tal do Gaman. O rigoroso controle de armas de
fogo, e uma polícia que não só responde ao crime, mas que se antecipa a ele,
fazem do Japão um dos países mais seguros do mundo. Legal, não é mesmo?
Prof. Dr. Cesar Alves Ferragi (Zare)
Possui graduação em administração
pela EAESP-FGV, é Mestre e Doutor em Administração Pública pela International Christian University
(ICU), em Tóquio, Japão, com tese de doutoramento sobre os dilemas e as
potencialidades de mudança cultural e evolução das organizações públicas,
privadas e do terceiro setor, no Brasil e no Japão. Atualmente é professor
adjunto do curso de Turismo da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em
Sorocaba.
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